quarta-feira, 1 de julho de 2009

DO DESEJO



de HILDA HILST

e por que haverias de querer minha alma
na tua cama?
disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
obscenas, porque era assim que gostávamos.
mas não menti gozo prazer lascívia
nem omiti que a alma está além, buscando
aquele outro. e te repito: por que haverias
de querer minha alma na tua cama?
jubila-te da memória de coitos e de acertos.
ou tenta-me de novo. obriga-me.
(do desejo - 1992)

colada à tua boca a minha desordem.
o meu vasto querer.
o incompossível se fazendo ordem.
colada à tua boca, mas descomedida
árdua
construtor de ilusões examino-te sôfrega
como se fosses morrer colado à minha boca.
como se fosse nascer
e tu fosses o dia magnânimo
eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
(do desejo - 1992)

que canto há de cantar o que perdura?
a sombra, o sonho, o labirinto, o caos
a vertigem de ser, a asa, o grito.
que mitos, meu amor, entre os lençóis:
o que tu pensas gozo é tão finito
e o que pensas amor é muito mais.
como cobrir-te de pássaros e plumas
e ao mesmo tempo te dizer adeus
porque imperfeito és carne e perecível

e o que eu desejo é luz e imaterial.

que canto há de cantar o indefinível?
o toque sem tocar, o olhar sem ver
a alma, amor, entrelaçada dos indescritíveis.
como te amar, sem nunca merecer?
(da noite - 1992)